quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Clareza sobre carreira é decisiva

Publicado em: O Estado de S. Paulo (Empregos) em 8 de Agosto de 2010

http://www.bv.fapesp.br/namidia/noticia/38884/clareza-carreira-decisiva/

Por Ligia Aguillar
Caderno de Empregos do jornal O Estado de S. Paulo traz recomendações da FAPESP para quem deseja seguir carreira acadêmica, destaca a trajetória do neurocientista Miguel Nicolelis e mostra importância de planejar o futuro antes de optar pelo trabalho acadêmico ou pelo mercado.
Quando concluiu o curso de jornalismo no fim de 2008, a estudante Natália Barrenha não sabia que caminho seguir. Resolveu apostar em várias alternativas, dentre elas, um projeto de mestrado.
Aprovada no programa de pós-graduação strictu sensu em multi meios da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela se mudou para o interior de São Paulo no ano seguinte. Meses depois estava insatisfeita com a escolha." Não me identifiquei com a carreira acadêmica e queria ir para o mercado, mas, como era bolsista, não podia trabalhar."
Assim como Natália, diversos estudantes procuram os programas de mestrado e doutorado sem ter definido se querem seguir carreira no mercado ou na academia. Estimulados pela possibilidade de abrir um novo campo de trabalho dentro das universidades e,ao mesmo tempo, cursar uma pós-graduação para atender às exigências do mundo corporativo, descobrem tarde demais que podem ter feito a escolha errada. "A carreira acadêmica é solitária e exige muita dedicação para se aprofundar em um único objeto de estudo."
A alternativa encontrada pela estudante para unir a academia com o mercado profissional foi colaborar com publicações especializadas na área de sua pesquisa e adaptar sua dissertação de mestrado - inicialmente uma pesquisa sobre o som nos filmes da argentina Lucrécia Martel - para um livro sobre o processo criativo da cineasta.
Apesar de não pretender seguir carreira como pesquisadora, Natália decidiu que vai fazer doutorado após a defesa de sua dissertação, no ano que vem. "A academia oferece algo enriquecedor para qualquer caminho que eu siga", avalia.
Opções. Para quem quer conquistar seu lugar no mercado e seguir estudando, a gerente de orientação de carreira da consultoria em RH Cia de Talentos, Bruna Dias, diz que, antes de fazer uma pós-graduação, o profissional deve avaliar qual seu objetivo como curso. "A escolha deve estar alinhada com a estratégia de carreira, com a empresa onde a pessoa trabalha ou ser sobre um assunto que vá acrescentar no desempenho profissional."
Hoje, há opções de cursos de pós-graduação voltados justamente para quem pretende aprimorar seus conhecimentos para o mercado. É o caso dos cursos latu sensu, que são uma especialização focada na prática dos conceitos, e dos mestrados profissionalizantes, opção para pessoas que querem desenvolver seu potencial acadêmico buscando conhecimentos aplicáveis em sua atividade.
Segundo Bruna, independentemente da opção, o estudante de pós-graduação deve buscar experiência. "Há pessoas que emendam mestrado e doutorado e se tornam qualificadas, mas inexperientes. E é mais fácil perder uma oportunidade por falta de experiência do que por falta de qualificação", analisa. A falta de experiência não atrapalha só quem quer trabalhar fora da academia. A bióloga Maristela Miyamoto emendou mestrado com doutorado pela dificuldade em conseguir emprego como professora.
"Tentei dar aula sem faculdades privadas, mas elas exigiam experiência, o que eu não tinha, já que comecei o mestrado em seguida à faculdade." Hoje,ela trabalha em um projeto de pesquisa clínica na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde concluiu o doutorado e pretende fazer o pós doutorado. "Quero prestar concursos para docente em universidades públicas. É onde posso trabalhar com pesquisa e ensino."
Assim como ela, o historiador Admar Mendes de Souza também teve dificuldades para conseguir emprego na área. Após terminar o doutorado, ele não conseguia trabalho em faculdades particulares, era recusado pelas escolas de ensino médio e não passava em concursos para universidades públicas." As particulares preferem contratar mestres, porque doutores custam caro, os concursos para faculdades públicas são difíceis e, nas escolas de ensino médio, eu não convencia os entrevistadores de que trabalharia lá com a minha qualificação", enumera.
Após várias tentativas,ele conseguiu emprego em duas escolas de ensino médio. Souza aconselha que mesmo quem deseja seguir carreira acadêmica deve tentar conciliar a pós-graduação com o mercado de trabalho: "Se você renegar o mercado, ele renega você depois."
Bolsa. Uma portaria publicada em julho deve estimular os mestrandos e doutorandos a ter experiências profissionais durante os estudos. O texto foi redigido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico (CNPq) - entidades ligadas ao Governo Federal e responsáveis pela concessão de bolsas para estudantes de iniciação científica e pós-graduação.
Isso significa que, a partir de agora, os bolsistas da Capes e do CNPq poderão receber complementação financeira proveniente de outras fontes, desde que se dedique ma atividades relacionadas à sua área de atuação e de interesse para sua formação acadêmica, científica e tecnológica.
Três perguntas para Miguel Nicolelis - neurocientista brasileiro, considerado um dos mais importantes pesquisadores do mundo
1.Como o sr. avalia a produção científica brasileira? Em sua opinião, faltam pesquisadores?
Nós temos hoje no Brasil muitos talentos, assim como mecanismos de formação de pessoas. O que falta são instrumentos para operacionalizar e desburocratizar a prática científica, formas para promover a distribuição de recursos por mérito e para redistribuir esses recursos por todo o País. Ou seja, o que faltam são políticas de Estado.
2.Quais as maiores dificuldades que um pesquisador enfrenta no País?
Falta liberdade de ação. A prestação de contas dos projetos é extremamente burocrática. Nos Estados Unidos, se eu preciso importar uma substância para pesquisa, no dia seguinte eu recebo. No Brasil, para importar qualquer coisa demora, por conta da burocracia. É como se estivesse fazendo algo errado e tivesse que provar o tempo todo que se é inocente.
3.Qual perfil deve ter uma pessoa que pretende seguir carreira acadêmica?
O grande desafio é descobrir se você tem paixão e vocação para vencer os empecilhos e acreditar no próprio taco. Dizer não aos pessimistas que vão falar que o seu objetivo é impossível. Quando eu comecei, um monte de gente me disse que eu não conseguiria ser cientista e brasileiro ao mesmo tempo. Consegui provar que eles estavam errados.
"Fui direto da graduação para o doutorado"
Foi durante a graduação em medicina que o neurocientista Miguel Nicolelis descobriu sua vocação para a carreira científica. "Eu já fazia pesquisas e no 5.°ano decidi que não faria residência. Após a formatura, fui direto para o doutorado." Eleito um dos 20 maiores cientistas do mundo pela revista Scientific American, ele defende a formação de novos pesquisadores: acaba de inaugurar um centro de educação científica para estudantes do ensino fundamental na Bahia.
Segundo especialistas da área, as oportunidades para quem deseja seguir carreira acadêmica são muitas. "O Brasil tem déficit de doutores e com a expansão das universidades federais e estaduais, a demanda vai aumentar", diz a pró-reitora de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Marilza Vieira Rudge. Segundo ela, além das universidades, a área de pesquisa deve Ficar aquecida por conta de avanços no setor tecnológico.
O presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior da Capes, Jorge Almeida Guimarães, confirma. Segundo ele, o Brasil deve formar, neste ano, 12 mil doutores e 35mil mestres. Até 2020, o objetivo é aumentar esse número para 22 mil e 60 mil, respectivamente. "A maior demanda é no setor acadêmico, o que mais faz pesquisa no País", diz.
Segundo a Capes, existem hoje 320 mil professores universitários. De cada dez doutores, nove estão empregados e um faz pós doutorado. Início. Para quem deseja seguir carreira acadêmica, o ideal é começar o quanto antes." É aconselhável tirar notas boas durante a graduação e fazer iniciação científica", diz o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique Brito Cruz. "É importante completar o doutorado o mais jovem possível e te ruma experiência internacional durante o doutorado ou pós-doutorado", diz.
Para isso as instituições de fomento à pesquisa oferecem a chamada bolsa sanduíche, que permite ao estudante realizar parte dos estudos em uma instituição internacional. A partir da entrada no mestrado, o aluno já pode lecionar nas universidades.O salário varia de R$ 3 mil, para um iniciante, até cerca de R$ 10 mil, para quem tem título de doutor.